Audible
Resenha

“Nebulosas”, de Narcisa Amália: a voz poética que rompeu o silêncio entre as névoas do Brasil

Narcisa Amália constrói uma obra que mescla lirismo romântico com crítica social, dando voz à mulher, ao escravizado e aos marginalizados de sua época. As obras da autora foram apagadas pela crítica literária, voltam à tona após Nebulosas entrar na lista de leitura obrigatória da Fuvest 2026.

Leitura de Vestibular

Leitura de VestibularColuna de resenhas de livros de leitura obrigatória para os principais vestibulares do Brasil.

17/05/2025 00h45Atualizado há 4 semanas
Por: Redação
Capa do livro Nebulosas, de Narcisa Amália
Capa do livro Nebulosas, de Narcisa Amália

Ler Nebulosas, publicado em 1872, é como atravessar uma névoa espessa de sentimentos — melancolia, saudade, amor, dor e, sobretudo, lucidez. Narcisa Amália, autora dessa obra que agora integra a lista obrigatória da FUVEST 2026, escreveu os 44 poemas do livro ainda jovem, aos 20 anos, mas sua voz já trazia uma maturidade rara, capaz de fazer frente a grandes nomes da poesia brasileira da época. Ao mesmo tempo que se insere no Romantismo, com seus traços clássicos como o amor idealizado e o sofrimento íntimo, a autora também se distancia dos padrões ao dar protagonismo a temas pouco comuns às mulheres escritoras do século XIX: a crítica social, a abolição da escravatura e a busca por igualdade.


O que mais chama atenção em Nebulosas é essa habilidade de Narcisa em navegar entre o íntimo e o coletivo. Em um momento, ela canta a dor de um coração que já não espera amor; em outro, ergue sua voz como uma militante contra as injustiças sociais, algo impressionante em uma época em que as mulheres mal podiam assinar textos com o próprio nome. Há um equilíbrio potente entre a doçura e a indignação, como se a poeta dissesse: “EU TAMBÉM SINTO, EU TAMBÉM PENSO E EU TAMBÉM LUTO”.

 

“Enfim, de meu peregrinar cansada,
Pouso em teu colo a suarente fronte,
E, contemplando as pétreas cordilheiras,
Ouço o rugir de tuas cachoeiras!”

Pág. 37

 

Em poemas como “O Africano e o Poeta”, ela mostra claramente seu engajamento com a causa abolicionista, colocando o poeta como alguém que escuta o sofrimento dos esquecidos. Já em “Saudades” ou “A Resende”, temos o lado mais contemplativo da autora, aquele que olha para a infância perdida e para a paisagem como abrigo emocional. A força da natureza, a memória afetiva e o amor pela terra natal estão por toda parte, mas nunca como fuga: são ferramentas para refletir o presente e denunciar o que está errado nele.

Ainda assim, Nebulosas não é um livro fácil no sentido emocional. Mesmo nos poemas mais líricos, há sempre uma ponta de dor, de cansaço, de incompreensão diante do mundo. Talvez por isso seja uma leitura tão necessária para os jovens: porque mostra que sensibilidade não é fraqueza, mas uma forma profunda de perceber as estruturas injustas da sociedade. E que até mesmo a beleza, como a poesia, pode ser uma arma poderosa.

Narcisa Amália, como tantas outras autoras de sua época, foi esquecida por muito tempo. A crítica literária dominada por homens a apagou dos manuais e da história. O fato de estar agora na lista da FUVEST ao lado de escritoras como Lygia Fagundes Telles e Conceição Evaristo é uma reparação histórica, mas também uma chance rara de os leitores conhecerem uma voz feminina que foi, sim, escutada no passado, mas que depois foi silenciada. Recuperá-la é um ato de justiça literária.

 

“Do triste mendigo,
Sem pai, sem abrigo,
Quem quer escutar?...
— Quem quer? — O poeta.”

Pág. 53

 

Comparada a outros nomes do Romantismo, como Gonçalves Dias ou Castro Alves, Narcisa Amália tem pontos de contato, mas também se diferencia. Ela não fala do país apenas com entusiasmo patriótico; sua visão é crítica. Ela não exalta o amor apenas como ideal romântico, ela também denuncia a dor de amar em uma sociedade que limita as mulheres. Sua poesia é marcada pela emoção, sim, mas também por uma consciência muito clara do seu tempo — e da condição feminina dentro dele.

Ler Nebulosas hoje, em tempos em que se discute o espaço das mulheres na cultura, é também um convite à escuta. Escutar a jovem Narcisa, que ousou escrever quando quase ninguém lhe permitia, é uma experiência que atravessa gerações. Seus versos nos lembram de que pensar, sentir e escrever nunca foi — e nunca será — privilégio de um só gênero, grupo ou etnia.

Aos vestibulandos da FUVEST, minha sugestão é que leiam Nebulosas não como uma obrigação, mas como uma descoberta. Há poesia, há política, há dor e há esperança nesse livro. E, sobretudo, há uma mulher que, antes de todas as outras, enfrentou o silêncio com palavras. E venceu.

Nenhumcomentário
500 caracteres restantes.
Seu nome
Cidade e estado
E-mail
Comentar
* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou com palavras ofensivas.
Mostrar mais comentários
Ele1 - Criar site de notícias